*Por Talita Guimarães
O homem ao lado viaja à janela lendo no celular as notícias do Timão. É manhã de mais um dia comum, a caminho do trabalho. E as notícias do seu time o interessam. Ocupam-no o trajeto. Distraem de qualquer paisagem ou pensamento aleatório.

Arte: Talita Guimarães
Quando a barra de rolagem chega ao fim da pequena tela sensível ao toque, ele traça o dedo rumo a saída da página e rapidamente ocupa-se em escolher algo para ouvir. Logo está de fones nos ouvidos, braço apoiado na janela, vendo o mundo passar com trilha sonora.
Dou-me conta da beleza de seus gestos particulares quando o ouço cantarolar bem baixinho ao meu lado, distraído consigo mesmo, sem chegar a incomodar ao redor. Dedico um tempo a lhe espiar as cores. Camisa azul, pele negra, relógio dourado. Mais de 40 anos, talvez. Nenhuma pista sobre para onde vai ou o que faz. Mas quem precisa saber muito mais do passageiro corintiano que gosta de música quando se pode simplesmente contemplar sua dignidade?
Retorno ao meu exemplar de “A Dança dos Ventos” do Elizeu Cardoso e de lápis em punho – que uso para marcar as passagens bonitas do livro – vou até o verso da última folha em branco e escrevo o pensamento que acabou de me ocorrer, sobre quem descubro ser ao olhar para o outro: “sempre vou me enternecer com os gestos distraídos das rotinas que nos ocupam”.
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